Casa-Horizonte // uma casa-satélite
- Lucas de Vasconcellos
- 10 de jun.
- 2 min de leitura
Atualizado: 16 de jun.
Todo 8 de dezembro, do alto da torre da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, ecoa o sino que anuncia o dia da milagreira dos menos afortunados. Nesse mesmo período, os terreiros da Pedreira Prado Lopes celebram Oxum, a rainha do povo Ijexá, subgrupo iorubá trazido da Nigéria durante as colonizações que violentaram terras já habitadas por povos originários do Brasil. Hoje, segundo o IBGE, estes representam apenas 0,4% da população nacional.
Um quarteirão acima da igreja, na Rua Jequeri, nome que vem do tupi "in-ker-i", planta mimosácea espinhosa de aspecto agreste, ergue-se o edifício Paulete. Um conjunto habitacional popular de traço modernista. Seus pisos, compostos de cacos cerâmicos avermelhados, preservam não só estética, mas memória: técnica comum em moradias operárias do Brasil, aproveitando sobras da indústria cerâmica. Aqui, o chão reluz encerado e, nos corredores, folhagens verdes se impõem em vasos simples, beleza cultivada com afeto.
No fim do túnel aveludado em tons de vermelho escuro, a luz. Um sopro que revela a natureza selvagem da paisagem cultural. Como os corredores labirínticos de O Iluminado, mas aqui, sem o terror, há resistência. Dos blocos conectados pelos corredores, sente-se: estamos numa colmeia. O sol, como abelha-rainha, distribui sua luz sobre os 180 lares dos três blocos alfabéticos. E no último andar do bloco C, ergue-se a Casa-Horizonte, meu lar, que atua como um satélite urbano.
Das janelas amplas de inspiração modernista, vislumbra-se um ângulo de 180 graus: a fronteira entre Lagoinha e a região Centro-Sul, escamoteada pelos brises da Rodoviária Central, que anuncia a chegada à Avenida Afonso Pena. Essa avenida foi lapidada com pedras extraídas da Pedreira Prado Lopes e se estende até a Praça da Bandeira, aos pés da Serra do Curral, monumento natural hoje ameaçado pelas garras da mineração e do mercado imobiliário.
É nesse cenário que o Observatório da Terra inaugura sua primeira edição. Não para medir o tempo com régua, mas para compreender o que Leda Maria Martins já nos ensinou: o tempo do mundo não corre em linha reta. Ele gira em espirais. E essa edição quer habitar esse giro, através das vivências cotidianas, da paisagem cultural e dos atravessamentos que fazem da Lagoinha muito mais que um bairro.
Um organismo vivo, de terra e de memória.